segunda-feira, 16 de maio de 2011

Máquinas caça-níqueis são vendidas facilmente pela internet



A máfia dos caça-níqueis conta agora com mais uma arma: a internet. Para mostrar como é fácil adquirir peças e até mesmo máquinas inteiras, o Fantástico encomendou e recebeu um desses caça-níqueis. O resultado de dois meses de investigação você vê na reportagemespecial de Guilherme Portanova e Diego Moraes. 

“Eu acho que eu perdi, sem exagero, no mínimo, uns R$ 250 mil”, calcula um jogador. Esse é o depoimento de uma pessoa que joga em bingos. Os apostadores sabem que os bingos são proibidos no Brasil e sabem também que no jogo ilegal só existe um vencedor.

“A gente sempre perde muito mais do que ganha, não aconselho para ninguém jogar, porque depois que vira um vício fica patológico. Você não consegue sair disso”, relata uma apostadora.

O único vencedor é quem explora o vício. Veja o que diz este vendedor de máquinas caça-níqueis. Ele fala sobre a calibragem da máquina, que já vem programada para só pagar a metade do prêmio. “Ela já está com 50%. Se, mesmo assim, você achar que está comendo muito ou soltando muito, aí você me dá um toque”, disse.

Fantástico encontrou este vendedor na internet. Para mostrar como o esquema é simples, nós conseguimos comprar em São Paulo uma das máquinas dele. Você vai ver como as máfias dos caça-níqueis compram online essas máquinas de tomar dinheiro. Você vai ver também as casas de bingo que aceitam cartões de crédito e de débito para o apostador sacar dinheiro vivo.

Sites brasileiros oferecem caça-níqueis de vários modelos. Os preços variam, dependendo do tipo. Em outro site, aparece uma máquina usada por R$ 650. Outro site vende uma nova com garantia. O vendedor oferece manutenção e ainda aceita cartão de crédito.

Pesquisando na internet, chegamos a um fornecedor chinês. É o caminho para o contrabando de caça-níqueis. Nosso primeiro contato foi por telefone para tentar encomendar uma placa eletrônica que é o cérebro da máquina. Ela custa cerca de R$ 900, mas o vendedor dá a entender que preço não é problema para os criminosos. “Você sabe que é ilegal, e quando é ilegal o pessoal ainda mais gosta”, disse o vendedor.

Uma semana depois, chegamos a Ciudad del Este, no Paraguai, para buscar a placa. O jogo nos caça-níqueis e a venda das máquinas não são ilegais no país. O fornecedor fica em uma galeria de escritórios. É um chinês conhecido como Tchá. Ele está atendendo um cliente que veio buscar uma placa. Não demora muito, e o repórter é recebido como velho amigo. “Finalmente chegou. Se você quer jogo, a gente tem bastante”, afirma o vendedor.

Ele diz que pode entregar a placa no Brasil. “Tem como entregar em São Paulo?”, pergunta o repórter. “Quando pessoa chega lá, aí ele tem de estar lá para receber”, responde o vendedor.

O esquema é tão bom que Tchá diz também que brasileiros revendem as máquinas deles já montadas. “Pessoa na Bahia pega a minha máquina. Aí e eu pensando que ele está comprando máquina. Não, ele está vendendo”, conta.

Tchá vende tanto as máquinas inteiras como as placas e as peças. Uma das peças é chamada de noteiro. É o aparelho que faz a leitura das cédulas de real. Mas, segundo o vendedor, é arriscado tentar entrar no Brasil com essa peça contrabandeada. “Você passar noteiro é perigoso”, alerta.

O noteiro só pode ser importado com autorização da Receita Federal. Mesmo assim, Tchá diz que tem revendedor no Brasil. “Você pode comprar com meu parceiro lá em São Paulo”, orienta.

O Fantástico não fechou negócio com esse vendedor. Até bem pouco tempo, negociações como esta começavam no Paraguai e terminavam no Brasil, com a entrega de um caça-níqueis completo. Só que os criminosos se especializaram e hoje muitos entregam apenas a memória, uma placa onde o jogo está gravado. Ela tem um volume muito menor e é mais fácil de transportar.

Os criminosos podem comprar as máquinas em sites brasileiros de compras. Falamos ao telefone com um vendedor que anuncia em um site. “A partir de confirmado o pedido é que eu começo a montar”, diz o vendedor, que conta como despacha o caça-níqueis semipronto.

“O mais seguro que eu estou fazendo, eu fiz no Espírito Santo e vou fazer em Manaus, é mandar as peças separadas. O gabinete por empresa de ônibus, que é só madeira, e as peças, pelo correio”, conta.

Mas nós combinamos de receber a máquina já montada. O vendedor diz que não existe motivo para preocupação. Segundo ele, se a polícia descobrir a transação e o comprador acabar condenado na Justiça, a pena será leve. “Não dá nada mais sério. Contravenção, se der alguma coisa, é pagamento de cesta básica. É coisa besta”, comenta.

Com essa história, ele engana os compradores. A Justiça passou a enquadrar os donos de caça-níqueis nos crimes de contrabando e descaminho, porque as máquinas contêm peças importadas ilegalmente.

“A pena era de um crime que a gente podia chamar de um menor potencial ofensivo, até dois anos. Agora a pena vai até seis anos de reclusão dando prisão imediata para quem se aventurar”, afirma o delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Rafael Willis.

Para adquirir a máquina anunciada em um site brasileiro, fizemos um depósito de R$ 150 em uma lotérica de Brasília. O caça-níqueis vai ser entregue em São Paulo em mãos. Chegamos local combinado: o estacionamento de um shopping da maior cidade do país.

De cara, o vendedor diz que a máquina já está programada para dar a metade do valor apostado. Se quiser, essa programação pode ser alterada. “Ela já está com 50%, mas se você achar que ela está comendo muito ou soltando muito, aí você me dá um toque”, afirma.

Agora ele usa um plástico para tapar o caça-níqueis, que nós vamos transportar em um carro, no porta-malas. Fazemos o pagamento. Com mais os R$ 150 do depósito, a máquina sai por R$ 1.250.

Segundo a Polícia Federal, o montador das máquinas caça-níqueis está praticando contrabando e descaminho, o mesmo crime cometido pelos administradores dos sites que vendem essas máquinas.

“Aqueles que se valerem da internet para desenvolver uma atividade ilícita estará incorrendo nos crimes previstos na lei”, afirma Marcelo Duarte, delegado da Polícia Federal do Rio de Janeiro.

Estamos agora em um bingo que funciona dentro de uma churrascaria da capital gaúcha. Os donos não sabem que policiais estão prestes a dar o flagrante e fechar o estabelecimento. Lá, as máquinas de cartões de crédito e débito do restaurante viraram terminais de saque. “É a forma de angariar mais jogadores e protelar o pagamento, pois sabem que virá na sempre na fatura seguinte. Com isso, eles agregam mais clientes”, aponta a promotora de Justiça Sônia Mensch.

O apostador passa o cartão com o valor desejado para pagar pela suposta refeição. Aí a casa devolve o valor em dinheiro vivo, e o jogador pode, então, jogar. A fiscalização fechou a churrascaria e o bingo no mesmo dia em que o Fantástico esteve lá.

Na divisa de Goiás com o do Distrito Federal, é como se a lei não existisse. Fica até difícil acreditar que uma estrutura de um bingo funcione sem o conhecimento das autoridades. O bingo é enorme, e o jogo corre solto. Alimenta a esperança dos apostadores e enche os bolsos dos empresários do mercado ilegal.

“O jogo é a tentação. A gente está em casa, fica naquela cegueira danada. Enquanto não vem, não sossega. Já perdi dinheiro esta semana, mais de R$ 1 mil. Já fiz empréstimo, acabou tudo.

No Rio de Janeiro, no início de abril, três bingos foram descobertos numa galeria comercial em Copacabana. Um deles tinha câmera de segurança, que não evitou a ação da polícia. Em outro bingo, os jogadores tentaram justificar a diversão. “É um vício, a gente cheiras as máquinas”, disse uma senhora.

No fim do mesmo mês, a Justiça do Rio decretou a prisão preventiva de Rogério Andrade, apontado pela polícia como o chefe da máfia dos caça-níqueis no estado. Ele é acusado de ter mandado matar um sargento do Corpo de Bombeiros em novembro do ano passado. Meses antes, Rogério tinha sido vítima de um ataque a granada, em plena luz do dia, em uma avenida da Zona Oeste do Rio.

Só em um depósito da Receita Federal do Rio de Janeiro estão 20 mil máquinas. Elas foram apreendidas e serão destruídas. Mas parece que a fiscalização não consegue vencer o mercado. Os bingos continuam abertos e cada vez com um número maior de jogadores.

“Atualmente está chegando uma média de cem máquinas da Polícia Federal por semana”, calcula a superintendente regional da Receita Federal, Denise Fernandez.

Trata-se de máquinas que só existem para tirar dinheiro de quem joga, especialmente dos jogadores compulsivos. “Eu cheguei a pegar muito empréstimo. Até hoje eu pago. Peguei empréstimos altos para poder jogar”, conta um apostador.

A máquina que o Fantástico adquiriu em São Paulo vai ser entregue nesta segunda (16) à Polícia Federal. “Isso é um câncer para a sociedade”, resume um apostador. 
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